segunda-feira, maio 16, 2005

Capítulo IX

Capítulo IX

Um dia alguém me falou em fases de osmose. Eu conhecia o termo para a Física, Química e Biologia, mas ignorava que esse termo pudesse ser tão exemplarmente aplicado ao ser humano. A osmose é uma fase de absorção compulsiva de algo que à partida pode ser considerado como agradável ou até causador de prazer, mas na realidade essa absorção massiva de carinho, ou carícias leva apenas à diluição do nosso interior. A realidade está no facto de que procuramos provocar fases de osmose para esquecer algo que nos perturba e ao evitar o problema estamos a contribuir para que ele não se resolva e tenda a crescer dentro de nós. Nessas fases de osmose limitamo-nos a assimilar sem qualquer processamento de informação e podemos mesmo chegar ao ponto em que absorvemos tanto que já não suportamos mais. Mas nessa altura talvez já seja tarde, parte de nós pode estar irremediavelmente perdida, diluída em tanto afecto insignificante e sem sentido, afecto que nos faz sentir bem durante breves instantes, durante o tempo que dura, mas que nas restantes horas do dia é substituído pela sensação de vazio que nos consome. É um pouco como ter fome e beber muita água. Durante alguns instante temos a sensação de que estamos saciados e que não necessitamos de comer, mas passados esses instantes a fome volta e durará até bebermos mais água ou até termos uma refeição decente.
Não sei porque falo disto agora, mas acho que é um assunto pertinente. Porque sempre que caímos numa situação destas achamos a princípio que estamos na plena posse de todas as variáveis e perfeitamente capazes de lidar com imprevistos. Depois percebemos que aquilo que fazemos é um pouco ilógico pois não nos leva a lado algum, mas não temos nada melhor para fazer e continuamos. Chegamos então, mais tarde ou mais cedo ao ponto de saturação, ao ponto em que nem durante o período de assimilação sentimos prazer e continuamos somente porque habituámos a outra pessoa a essa rotina de prazer “puro”, livre de sentimentos que apenas deturpam actos tão naturais e fisiológicos. Pelo caminho ficam pessoas diferentes que nos poderiam ter levado até locais maravilhosos, repletos de belas paisagens, mas não nos apercebemos desse facto pois estávamos demasiado agarrados a uma ilusão que nem sequer nos fez sonhar. Perdemos muitas oportunidades desta forma.
Acho que todos percebemos como e porquê, acho que todos já o fizemos ou pelo menos pensámos em fazê-lo numa qualquer altura da vida em que a solidão se torna insuportável e o silêncio da noite é um ensurdecedor concerto de gritos de ajuda, mas que termina na encenação de uma qualquer tragicomédia de um qualquer romântico doutros tempos.
Mas nem tudo é mau nestas fases, aprende-se muito, sobre os outros e sobre nós próprios.

E por vezes passamos algum tempo sem pensar, agimos e um dia mais tarde pode ser que tenhamos tempo para pensar no assunto. Ficamos então surpreendidos com a forma como as coisas correram bem. Os sentimentos de desinteresse tornaram-se em interesse moderado e descobrimos uma nova forma de sobreviver às contrariedades que nos vão surgindo pelo caminho.
Se desligarmos por completo que temos uma vida social, ou se simplesmente a restringirmos às necessidades básicas que são essenciais, acabamos por esquecer muita da dor que nos quer magoar. A certa altura conseguimos alargar a nossa vida social sem que o perigo aumente, tudo isto porque somos capazes de satisfazer as necessidades físicas sem qualquer envolvimento emocional o que nos permite viver mais ou menos despreocupadamente e com um certo à vontade, somos ainda capazes de satisfazer as necessidades emocionais com alguns bons momentos de amizade pura, ou como alguém disse um dia: Amor com A grande!
Esta é mais ou menos a fórmula que permite que a osmose se torne numa via viável para uns tempos. Naturalmente que pode vir a tornar-se monótono, mas durante uns tempos dá sempre para aguentar e, se nos fartarmos podemos sempre recorrer ao jejum ponderado que nos dá um certo descanso e nos deixa preparados para mais uns momentos de absorção.
Mas é claro que um dia aparece alguém, aparece sempre algo ou alguém para estragar o equilíbrio que tanto nos custou a atingir. E o que é que podemos fazer? A vida foi feita para ser vivida e nada mais nos resta nesses momentos do que fechar os olhos e ir em frente.
Partimos confiantes pois conhecemo-nos melhor, o nosso ego está elevado, achamo-nos capazes de conquistar o mundo com um verso e uma canção. Por vezes damos com a cara na porta, mais o mais provável é conseguirmos atingir o objectivo que nem sabíamos que tínhamos.
Sim, nós somos bichos estranhos, mas isso não é exclusivo dos homens. Quem pensa que as mulheres são diferentes engana-se redondamente. Pensem um pouco sobre o assunto e verão que assim é, mas como em tudo na vida existem sempre excepções!