quinta-feira, janeiro 20, 2005

Eu Já Vi Este Céu - Capítulo V

Capítulo V

Insónia, insónia e mais insónia. O cansaço percorre todos os músculos do corpo e não permite que o corpo entre em fase de repouso. O cérebro começa a funcionar um pouco mais acelerado e origina uma tempestade indescritível de pensamentos que podiam ser algo de magnífico. No entanto as palavras escorrem pelas folhas sem que um prumo possa ser assente.
Não faço a menor ideia do que é a insónia em termos fisiológicos mas sei o que sinto. Não sei sequer se aquilo me acontece se designa por insónia. Para mim é insónia e pouco me interessam os pormenores fisiológicos e conceptuais.
Fico então aqui sentado de frente a um monitor e vou carregando em teclas que conseguem originar palavras e o meu espanto surge senão quando sou capaz de articular meia dúzia de ideias que até parecem fazer sentido quando em separado.
Não, nada disto está relacionado com o William Jack, ou talvez até esteja. Será que ele é real, será que é apenas mais uma história de ficção que vai gorar todas as expectativas com um bonito final moralista e feliz que satisfaz a grande maioria, mas que deixa de fora todo o conteúdo das páginas anteriores.
Para ser sincero não faço a menor ideia do que vou fazer com todas estas palavras que articulo dia após dia por alguma razão em especial ou apenas, como hoje, para combater a insónia que me assola. Posso dá-las a todos quantos as quiserem ler ou simplesmente oferecê-las aos amigos. Posso até ter a sorte de alguém querer publicar estas palavras na forma de um livro e existir alguém que o compre, e assim as minhas noites de insónia passam a valer dinheiro a sério. Gosto de escrever, e depois. Faço-o por egoísmo puro, escrevo para mim mas comecei a ter a consciência de que um dia alguém pode vir a ler as minhas palavras, e então escrevo também com orgulho, orgulho em mim por ter sido o autor destas palavras que alguém está a ler.
Por definição todos nós teremos o dom da escrita pois somos ensinados a articular caracteres de modo a construir palavras cujo significado consta nos imensos dicionários de língua portuguesa. Somos ainda dotados de imaginação que nos permite brincar com os caracteres que nos foram ensinados e assim criar novas palavras que podem um dia adquirir um uso generalizado e passar a fazer parte dos ditos dicionários. Assim, somos todos escritores, mas enquanto que uns são dotados da capacidade de escrever fluentemente e essa capacidade pode ser aproveitada para fins comerciais, outros escrevem apenas por diversão ou necessidade e guardam religiosamente esses textos para um dia recordar, e quem sabe se um dia alguém não descobre que na verdade possuem o dom da escrita fluente, ou apenas por uma breve ocasião o possuíram.
Quer queiramos quer não o dinheiro governa o mundo em que vivemos. E apesar de não trazer felicidade, ajuda bastante a atingi-la, e digo isto porque não sou hipócrita ao ponto de dizer que a saúde é que é importante e o amor também. Quantas foram as pessoas que por não terem capacidade financeira foram impossibilitadas de ter uma saúde condigna. Quantas foram as pessoas que perderam “amores-perfeitos” porque não tinham dinheiro para extravagâncias. Sim, pareço fútil, mas estou a limitar-me a ser realista. Na verdade a vida de um rico parece ser bastante fácil, mas isso não é significado de saber viver a vida. Tanto um rico como um pobre podem ser felizes, desde que saibam viver com aquilo que têm. Por exemplo, uma pessoa rica deve ter imensos problemas em escolher os amigos. Vivemos numa sociedade de capital e de interesses que é difícil reconhecer quem é verdadeiro e quem está a representar. Enquanto que alguém com menos posses nada tem a dar que não seja a sua honestidade e isso, não há dinheiro que compre a sinceridade e honestidade de alguém. Por exemplo a educação, os valores, não são proporcionais à quantidade de dinheiro que se possui. A educação e os valores podem ser adquiridos, mas têm de ser compreendidos para que sejam aplicados convenientemente, e essa compreensão está relacionada com as capacidades de cada um e não com a sua conta bancária.
Apercebo-me que pareço um comunista a falar sobre os podres do dinheiro. Não é essa a minha intenção, apeteceu-me apenas deambular sobre alguns lugares comuns que resultam de uma certa hipocrisia da nossa sociedade. Não defendo o pragmatismo puro e dura, mas por vezes faz bem observar a realidade e tentar percebê-la antes de cair em lugares comuns que estão fora de moda e já desprovidos de sentido. Não, não sou o dono e senhor da razão absoluta e sei que muitas pessoas estão em desacordo com estas ideias e é isso que é bonito e gratificante no ser humano: podemos expressar as nossas ideias com a certeza que existe alguém que nos compreende e alguém que não concorda connosco, e isso permite-nos discutir sobre o assunto e, se o assunto for discutido de forma construtiva podemos chegar a conclusões que podem melhorar o mundo em que vivemos.
É aqui que reside o problema, as pessoas tendem a apresentar-se como donas e senhoras da verdade absoluta e refutam todas as opiniões divergentes antes mesmo de as ouvir. Desta forma a discussão construtiva não consegue ser gerada e perdemos grandes ideias pelo simples facto de que aquela afirmação é válida e é a única válida!!! Se olharmos para o estado do nosso país percebemos isso: quem governa é o detentor da verdade absoluta e faz o que quer. Quando saem do poder vêm novos detentores de verdades absolutas diferentes das anteriores e tudo muda. Desta forma nunca haverá reforma que tenha sucesso. Será que eles já pensaram em falar uns com os outros com mente aberta!?
Mas também temos coisas boas!