terça-feira, janeiro 11, 2005

Eu Já Vi Este Céu - Capítulo IV

Capítulo IV


Por vezes agimos como autenticas crianças, todos nos dizem que esse não é o caminho e mesmo assim continuamos a andar em direcção ao precipício e nem por um momento pensamos em olhar para trás.
Existe uma criança dentro de nós! Esta é uma frase que todos estamos cansados de ouvir, mas ainda assim não deixa de fazer sentido. A certa altura do nosso processo de envelhecimento todos passamos por uma fase em que nos sentimos a envelhecer e nos recusamos a aceitá-lo. Talvez seja nesses momentos que a criança que existe em nós se apodera das nossas acções e nos torna quase absolutos idiotas que se comportam como se tivessem cinco anos e não fossem responsáveis pelos seus actos. Mas ainda assim temos consciência daquilo que fazemos, mas sentimo-nos tão vivos que somos incapazes de parar, toda aquela despreocupação sabe tão bem que não encontramos qualquer motivo para parar. Mas de repente magoamos alguém porque já nos começámos a comportar como adolescentes exibicionistas e queremos mostrar que já somos alguém, esquecemos que os outros também têm sentimentos e que não são apenas brinquedos que nós podemos usar e rejeitar quando nos apetece.
Mas nem tudo é mau. Errar é quase sempre bom. Aprendemos bastante com os nossos erros e estas fases de pseudo-incosciência são um dos grandes motores do envelhecimento, mas mais do que isso obrigam-nos a crescer.
O William costumava dizer que aquilo que não nos mata torna-nos mais fortes e tinha toda a razão. Dizia também que dificilmente existia alguém neste mundo e no outro que tenha errado tanto como ele, e ainda assim, apesar de já ter errado muito continuava a errar e dizia que não se arrependia um segundo que fosse de todos os seus erros. Faziam parte dele e arrepender-se daquilo que tinha feito, desculpar-se por ser quem era seria a negação da sua existência, a negação daquilo que o torna único e diferente de todos os outros seres vivos deste universo.
Um dia cheguei ao pé dele com a tristeza estampada nos olhos. Cumprimentei-o e comecei a lastimar-me. Uma rapariga absolutamente linda que eu tinha conhecido e que até tinha simpatizado comigo tinha começado a namorar com um conhecido meu e eu tinha passado tanto tempo com ela que estava apenas à espera do momento certo para lhe roubar um beijo. De repente vem um caramelo qualquer e começa a comê-la. Isto não é justo.
Falei longamente nas minhas dores e de como estava indignado com a situação. William ouviu-me sem interromper. Esperou que eu acabasse e no final levantou-se, olhou-me e disse:”Arrepende-te do que fizeste e não daquilo que podias ter feito. Caso contrário passarás a tua vida como um patinho feio no meio de um lago de patos bravos. Olha-te no espelho, avalia-te e toma consciência daquilo que vales. Depois limita-te a agir em conformidade com o teu valor!” Virou costas e foi passear. Fiquei impávido e sereno no mesmo local. Não conseguia pensar em mais nada que não fosse aquela imagem de uma rapariga bonita que podia estar a meu lado…
Fui para casa e só já perto da minha viagem para junto de Morpheu é que as palavras do velho amigo começaram a fazer sentido. Desde então raramente me arrependo do que podia ter feito, mas por vezes ainda acontece. Tem pouca importância se nos sentirmos satisfeitos com nós próprios. Mais importante que o arrependimento é a consciência tranquila. E poder deitar-me dia após dia com a consciência tranquila tem sido muito bom. Todos estes anos depois os conselhos do meu velho amigo têm sido muito úteis.