terça-feira, janeiro 25, 2005

Eu Já Vi Este Céu - Capítulo VII

Capítulo VII


Reli este último capítulo e apercebi-me que muitas destas missivas são fruto de um senhor chamado William Jack que me tentou ajudar a perceber como era o meu mundo, pois ele é diferente do mundo das outras pessoas, que tentou levar-me a pensar por mim próprio para chegar apenas às minhas conclusões e ter apenas as minhas decisões, para que não me arrependesse uma vez que fosse. Dizia-me sempre que eu é que devia perguntar a mim próprio quando é que deveria pensar e quando é que deveria agir. “A resposta está dentro de ti. Quase todas as respostas estão dentro de ti, mas por vezes perdes-te com imagens diversas e esqueces-te do que realmente é importante. É o teu Mundo e nele o importante és tu, e é assim que deves perceber quem és. Depois tens de ter muito cuidado para que possas transpor as decisões do teu mundo para a vida real, e nessa altura tens que ter consciência de que não vives só nesta vida, tens pais, amigos, conhecidos e desconhecidos, e todos eles são importantes na construção daquilo que és e daquilo que serás. Parece uma tarefa no mínimo difícil, mas podes arriscar a dizê-lo, parece impossível, mas na realidade todos estes processos são intuitivos a partir de certa altura. Vive como achares que deves fazê-lo e com o tempo vais sabendo o que fazer com maior segurança, mas nunca procures certezas, elas não existem!”
Acho que ouvi estas palavras várias vezes até conseguir realmente percebê-las. Tive de dissecar cada frase, cada objectivo para chegar à conclusão que não era esse o seu objectivo. Pensei encontrar respostas nas suas palavras quando na realidade todas as respostas estavam, estão e estarão dentro de mim.
Contava-me sempre uma história depois de toda a conversa. Mas sempre que tínhamos esta conversa ele conseguia contar histórias diferentes. Falava-me de mulheres que conheceu, ou apenas de vários sítios que já tinha visitado e que o tinham marcado. Nunca percebi muito bem o que quereria ele com aquelas histórias sem qualquer ligação, mas talvez fosse esse o objectivo, deixar-me a pensar noutras coisas que não a nossa conversa e os seus conselhos. Mas quem sabe…
Recordo-me agora de uma pessoa em quem ele falava muitas vezes. Chamava-se Maria e, segundo ele tinha os olhos mais bonitos que existiam no Universo inteiro. Tinha-a conhecido quando pela segunda vez decidira que este país era demasiado pequeno para o seu estado de espírito e que necessitava de conhecer outras coisas. Como já tinha atravessado a fronteira uma vez, decidiu que estava na altura de atravessar duas fronteiras e um mar. E lá foi ele. Consegui juntar dinheiro a trabalhar como empregado de cozinha de um café. Tinha a seu cargo a tarefa mais importante, segundo ele, que era lavar a louça: “Uma chávena mal lavada e apresentada pode afastar mais depressa um cliente do que o mau humor do empregado que o serve. As embalagens é que vendem!”
Nisso tinha toda a razão e ainda tem.
Quando juntou o dinheiro que considerava necessário para a sua viagem despediu-se, como fazia sempre que trabalhava. Trabalhava com um objectivo e assim que o atingia despedia-se. Com o dinheiro no bolso avisou a senhoria que ia sair do quarto durante uns tempos. Ia viajar e não sabia quando voltava. Calculara o melhor percurso para a sua viagem, um percurso que lhe agradava e que tornava a viagem em si como algo de único. “Se por algum azar tiver de voltar para trás quando faço uma viagem pelo menos tenho sempre a viagem para recordar.”
Não gostava de aviões e só os usava em último caso. Saiu de comboio. Fez várias paragens pelo caminho e chegou mesmo a fazer caminhadas de dias para visitar pequenas aldeias por onde o comboio não passava e cujo único transporte era a carreira semanal que chegava à sexta e partia para a cidade mais próxima aos domingos à tarde. Por vezes ficava alguns dias nessas aldeias. Arranjava trabalho no campo e ficava para conhecer melhor os habitantes daquelas terras e aproveitava para escrever alguns poemas, a sua actividade favorita. Chegava mesmo a dizer que a poesia não era um passatempo, era a sua vida.
Três semanas depois de partir chegou ao seu destino. O nevoeiro e a chuva receberam-no alegremente. As pessoas passavam apressadas para qualquer lado com os seus guarda-chuvas debaixo dos braços. O cheiro das ruas era diferente. Tinha fome e resolveu deixar-se guiar pelas suas pernas para encontrar um local para se alimentar. Entrou num café numa rua menos movimentada e pediu um prato de batatas fritas. Tinha passado demasiado tempo a comer sandes e sopas de lavrador capazes de alimentar um boi que sentia falta da comida de plástico. Saiu, comprou um jornal e começou a procurar um local para dormir durante uns tempos.
Depois de calcular quantos dias podia ficar naquelas águas furtadas sem trabalhar, saiu para passear pela cidade. Descobriu um jardim onde podia passar os seus dias a ver as pessoas a passar e a escrever. Encontrou depois um emprego que o seduziu. Tinha de trabalhar das 23 às 3 da manhã a descarregar caixas no mercado local. O trabalho não era muito duro e fazia-lhe bem o exercício, mas o que mais o seduziu era o facto de o grupo de descargas ser constituído por estrangeiros de quase todas as partes do mundo. Conseguiam-se entender com uma mistura entre as suas línguas maternas e a língua oficial daquele país, e ao fim de duas semanas já falava uma mistura de línguas que se tornara no dialecto daquele grupo de 150 pessoas, homens e mulheres de várias raças e nacionalidades.
Ficou a saber que na Roménia se passava fome e que na Jugoslávia se falavam muitas línguas.
Ao fim de três semanas receberam um novo elemento no grupo. Mais uma mulher que fazia com que o número de mulheres naquele grupo começasse a aproximar-se da dezena.
No final de cada turno de trabalho costumavam juntar-se no parque para comerem qualquer coisa e beberem umas cervejas antes de irem para casa. Conversavam, partilhavam comida que era típica das suas regiões, ou simplesmente partilhavam sandes com quem não tinha trazido comida e lhe apetecia ficar um pouco com os colegas de trabalho.
William prontificou-se a ir convidar a nova colega de trabalho para que ficasse ambientada. Ela não lhe respondeu, mas no final do turno lá estava no parque. Quando começaram a apresentar-se no seu dialecto próprio, William teve a gentileza de lhe ir traduzindo as palavras dos seus companheiros e quando chegou a vez dela falar ficou a saber que era sua compatriota. Ofereceu-se para a acompanhar a casa e conversaram bastante pelo caminho. William já sentia falta de poder falar na sua língua materna.