sexta-feira, janeiro 28, 2005

Eu Já Vi Este Céu - Capítulo VIII

Capítulo VIII

As semanas foram passando e William sentia-se bem. Trabalhava de noite o que lhe permitia alimentar-se e pagar o quarto. Durante o dia viajava pela cidade e escrevia. Já tinha gasto os dois cadernos que levava para as suas viagens para escrever e o terceiro que comprara já estava quase no fim.
Mas muitos dos passeios não se destinavam apenas à estimulação da escrita ou à descoberta da cidade e da periferia. Passou a encontrar-se mais vezes com Maria e por vezes ficavam juntos desde a hora de almoço até à hora de picar o ponto. Falavam imenso, discutiam maneiras de pensar, discutiam a sua poesia, o país que tinham abandonado.
- Chamas-te mesmo William?
- Não, chamo-me Guilherme, mas os nossos colegas acharam que era um nome complicado e o González achou melhor traduzi-lo e ao fim de uma semana era o William. O Jack foi por causa da Sarah que achava que eu tinha cara de Jack. Fiquei William Jack e acho que nestes dois meses já não respondo pelo nome de Guilherme, acho que sou William até ao fim da minha vida. E tu, chamas-te mesmo Maria?
- Sim, desde nascença e até à morte. Era o nome da minha mãe e da minha avó e eu como nasci rapariga fiquei Maria.
- São horas de irmos.
- Sim.

E assim se foram aproximando até ao dia em que resolveram ir viver juntos. Já tinham passado seis meses desde que William conhecera Maria. Sentia que era a mulher da sua vida e que a seu lado seria feliz até ao fim dos seus dias, em qualquer parte do Mundo.
Maria tinha saído do país por causa da morte dos pais, não aguentava mais e sentia-se a enlouquecer. Um dia, pegou numa mala com meia dúzia de peças de roupa e dirigiu-se à estação. Apanhou um comboio para a capital e passeou durante longas horas até decidir para onde ir. Estava indecisa entre atravessar o Atlântico e ir para um local mais quente e alegre, mas acabou por perceber que não lhe apetecia um lugar quente, mas sim algo calmo e cinzento. Comprou um bilhete de avião e seguiu viagem. Vira num jornal um anúncio para o mercado e decidiu ir ver. Achou piada ao facto de poder trabalhar de noite. Assim podia descansar, passear ou simplesmente dormir durante o dia.

Recordar faz doer a alma, mesmo quando as recordações são boas e as pessoas recordadas nos fazem felizes. Recordamos para tentar esquecer a ausência, mas sempre que o fazemos acabamos por realçar ainda mais a falta que essas pessoas nos fazem, mas repetimos sempre o mesmo ritual de recordar.
O povo português é mesmo assim, gosta de viver o seu fado envolto em melancolia e memórias, gostamos que as memórias que nos dõem fiquem bem marcadas no tempo, e rapidamente esquecemos aquilo que achamos que são as pequenas coisas da vida, como os políticos e as suas políticas. Sabemos certamente como é que Pedro matou os assassinos de Inês, mas não fazemos a menor ideia de quem foi o primeiro presidente da República, nem qual o significado dos feriados nacionais, apesar de sabermos quem é o marido da empregada que anda metido com a amiga da cunhada que é irmã do dono da mercearia que existe na rua do primo do patrão da novela das nove. E assim conseguimos estar entre os mais analfabetos da Europa e ninguém parece estar preocupado com isso pois sempre que falta dinheiro corta-se na educação, que um dia foi paixão e agora está pelas ruas da amargura. E no entanto os nossos cientistas continuam a ir às carradas para o estrangeiro pois por cá só teriam emprego a vender hamburgers, enquanto que lá publicam artigos nas melhores revistas da especialidade.