terça-feira, maio 17, 2005

Eu Já Vi Este Céu - Capítulo X

Capítulo X

A minha gata foi atropelada. Eu até nem gosto de gatos, mas habituei-me à sua presença e acabei por achar que até é giro ter um animal de estimação.
Não é uma gata como as outras (sim, foi atropelada mas ainda não morreu, pode ser que se safe), acho mesmo que é tudo menos um gato. Para além da fisionomia típica destes felinos, o seu temperamento e comportamento é completamente diferente de todos os gatos que conheci. Nunca me arranhou e acho que nunca arranhou ninguém. Disseram-me um dia que era a gata mais pachorrenta que já tinham visto. Sempre que aparecia alguém que falasse com ela, deitava-se no chão de barriga pró ar à espera que lhe fizessem festas. Quando brincava nunca punha as unhas de fora.
Sinto já a sua falta porque quando todas as noites metia o carro na garagem, lá estava ela à minha espera a dormir em cima da arca ou da máquina de lavar, ou então dentro de uma qualquer das caixas que se amontoam na garagem. Por vezes esperava-me à porta e pedia ternamente num miar doce e carinhoso que lhe abrisse a porta da garagem.
Hoje cheguei a casa e não a tinha à minha espera e comecei a sentir a sua falta e acho que escrevo por causa disso, ou apenas para que um dia nunca a esqueça. Já foi atropelada há dois dias e continua viva, imóvel mas viva.
Costumava sair várias vezes de casa. Ia passear até à quinta de frente a minha casa, ia ver as galinhas à capoeira e voltava calmamente. A estrada não tem assim tanto movimento e ela fazia este trajecto várias vezes. Ontem foi atropelada de manhã e ainda se arrastou até casa.
Lembro-me que quando eu estava doente ela costumava vir deitar-se aos meus pés e ficava assim durante horas. Quando não estava doente deitava-se apenas por perto ou então ao meu colo.
Estou à espera que amanhã possa acordar e vê-la à porta a miar por comida. Quero vê-la novamente a caçar pardais ou borboletas, gostava que voltasse a deitar-se ao sol durante as tardes de Verão, ou apenas vê-la enroscada sobre si mesma naquelas tardes mais frias de Inverno.
Já me sinto melhor. Sei que assim já não a vou esquecer, mesmo que amanhã eu acorde e ela não. Mas sei que a Margarida (é esse o nome dela) era tudo menos uma gata, e por isso gostava dela, eu, que até nem gosto de gatos.