domingo, setembro 04, 2005

Eu Já Vi Este Céu - Capítulo XIII

Capítulo XIII


Falta-me o copo de vinho tinto e um cinzeiro cheio de beatas.
Uns dirão que o vinho liberta o espírito, outros certamente que acham que o álcool é uma droga como outra qualquer. Quase todos concordarão que o tabaco é dispensável, sobrando apenas uma pequena minoria que continua a fumar porque lhes dá prazer apesar dos inúmeros anos de vida que lhes rouba.
Mas continua a faltar-me o copo de vinho e o cinzeiro cheio de beatas pois já tenho a lareira acesa para combater o frio que surgiu sem avisar e trouxe a chuva com ele.
É noite de sábado, e por sinal noite de festa. Que faço eu então em casa? Não faço a menor ideia, mas acho que me encharco no prazer do fogo e da escrita, na lenha crepitante e nas palavras soltas articuladas pelos meus dedos. Não sou obrigado a seguir um guião nem mesmo uma linha de raciocínio, não tenho hora de partida nem chegada prevista, não tenho limites, mas ao mesmo tempo o meu limite sou eu próprio.
Embarco na minha loucura que vive apenas onde estou e onde sou aquilo que me vai na alma. Sinto-me livre de viver como quero e como me dá prazer, livre de voar enquanto amo, enquanto sonho com noites infindáveis de prazer, de lareira acesa, e copos de vinho regados com beatas de cigarros mal apagados.
Quantas vezes negámos os nossos instintos porque alguém poderia pensar que não era uma posição correcta da nossa parte, quantas vezes usámos a razão para encontrar respostas que apenas existem dentro de nós. Talvez seja a lógica que nos leva a cair no absurdo pois não acreditamos no que fazemos.
Depois de algum tempo há quem se habitue a tudo isto e ignore, outros simplesmente chegam à conclusão que não têm nada a perder e limitam-se a viver até se cansarem. No entanto não conseguem apagar o facto de terem perdido inúmeros anos de vida à procura de uma lógica que, por princípio, não deve existir.
Que seria de nós se o amor fosse lógico e racional, se os nossos impulsos sexuais e animalescos fosse resultados de uma inequação ou de um qualquer integral? Perderíamos certamente o prazer nas coisas, ficaríamos à espera que acontecesse aquilo que sempre previmos.
Gosto porque gosto e o facto de não ter uma explicação lógica para isso faz-me gostar ainda mais.


“Deixei de tentar perceber as mulheres. Perceberem o que querem e o que não querem; quando querem e quando efectivamente não querem absolutamente nada de modo algum! Não entendo as suas carícias, se são de amizade, de inconsciência ou de sedução, não percebo o que querem dizer, se sim é não, se talvez será sim ou não, se não é efectivamente não agora ou nunca!
Já me bastam as minhas próprias complicações para me ocuparem o tempo, por isso hoje decidi deixar de tentar perceber as mulheres. Quando quiserem alguma coisa façam o favor de o deixar bem claro, ou então faço como elas: não tinha percebido!!!”
William ria à gargalhada. Por pouco que não se aguentava sentado e tinha de rebolar para o chão com as dores de barriga. Pareces um bebé chorão, só te falta fazer beicinho! Ora faz lá, só para eu me rir mais um bocado…
- Vai à merda!
- Ui! que ele está muito sensível. Se visses a figura que estás a fazer também desatavas a rir.
- Não vês que isto é sério!? Está em jogo a minha vida e o meu futuro. Eu não as percebo, e tu nem imaginas como eu gostava de saber o que é que elas estão a pensar, saber quando é que posso e quando não posso. Às vezes parece que temos de meter um requerimento só para trocar um sorriso de simples… “gostar”. Sei que gostava muito de ter alguém a meu lado que me compreendesse e que me acompanhasse nos bons e nos maus momentos, mas e se eu não a compreendo como é que sei se ela me compreende?!
- Agora pareces um velho, um puto frustrado que acha que já é adulto mas que na verdade ainda não tem bagagem para viver a vida como ela é. É assim mesmo, puto. A vida é fodida. Mas de que valia perceber e saber o que pensam as mulheres? Depois achavas que elas eram desinteressantes porque nada que elas pudessem te surpreenderia, e ainda podias vir a descobrir algo que não te agradaria muito. Aprende a respeitá-las como mulheres, tal como respeitas qualquer ser humano que é único por ser ele próprio. Eu sei que elas, por vezes, não parecem ser humanas, parecem extra-terrestres, mas garanto-te que são de carne e osso como nós os dois.
- Da maneira que falas até parece que o problema sou eu!...
- Tu não és o problema, mas és tu que tens um problema que foi criado por ti. Preocupa-te em viver primeiro. Vais ter muitos anos para pensar um dia mais tarde!

E lá foi ele pensativo, e mais uma vez sem ter percebido grande coisa do que lhe tinham dito, mas calculava que William tivesse razão. Ele tinha quase sempre razão…